SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apontado como pré-candidato à Presidência em 2022, o ex-juiz Sergio Moro já tornou públicas ideias em áreas como combate à corrupção, Justiça criminal e segurança pública, mas seus pensamentos sobre outros temas relevantes para o país ainda são desconhecidos.
O ex-magistrado da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, ao se filiar ao partido Podemos na próxima quarta-feira (10), passará a sofrer cobranças para expor suas propostas para o Brasil, caso confirme a candidatura ao Planalto.
Moro abandonou a magistratura para assumir o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, com quem se desentendeu –isso motivou seu pedido de demissão em abril do ano passado.
Neste ano, sofreu uma dura derrota no STF (Supremo Tribunal Federal), que o considerou parcial nas ações em que atuou como juiz federal contra o ex-presidente Lula (PT).
Conhecido pela pauta anticorrupção e pela defesa do endurecimento das leis, Moro é praticamente um neófito em outros debates, como o da economia, que deve dominar a próxima campanha eleitoral.
Ele já se manifestou sobre alguns assuntos fora da sua seara de atuação em entrevistas, artigos e palestras, mas sua percepção sobre outras pautas que surgirão na campanha continua uma incógnita.
Em alguns casos, há apenas informações genéricas. Sobre educação, por exemplo, o que há de mais recente é uma mensagem publicada por ele em uma rede social para comemorar o Dia do Professor (15 de outubro), em que celebrou “o poder transformador” do aprendizado.
Moro encerrou a postagem com a expressão “aos mestres, com carinho” e uma figurinha de maçã.
Aborto
Moro disse que Roe vs. Wade, a decisão judicial de 1973 que liberou prática nos Estados Unidos, é “razoável”. A avaliação consta de sua tese de doutorado, apresentada em 2002 à Universidade Federal do Paraná.
“[Roe vs. Wade] representa uma solução intermediária para a questão do aborto, satisfazendo em parte as duas correntes absolutamente opostas sobre o tema, o que não deixa de ser razoável em vista de um improvável consenso sobre ele”, escreveu.
Por causa desse trecho, o ex-juiz foi chamado de abortista por apoiadores de Bolsonaro, embora tenha feito uma análise da decisão à luz do direito constitucional, sem emitir juízo de valor sobre a prática.
Casamento gay
Apesar de nunca ter se aprofundado no tema, Moro já deu indicações de respeito aos direitos civis de pessoas LGBTQIA+. Neste ano, quando o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou ser gay, o ex-ministro deu a ele parabéns “pela declaração corajosa, ainda incomum no Brasil” e disse que “é importante quebrar barreiras e preconceitos”.
Ao aceitar o convite para compor o ministério de Jair Bolsonaro, em 2018, ele afirmou que “não existe nada de política persecutória contra homossexuais e outras minorias” no governo e que “crimes de ódio são intoleráveis”.
“Não existe nada disso na mesa ou sendo gestado; nenhuma intenção de política discriminatória. As minorias vão poder exercer seus direitos livremente. Não vejo nada além de receios infundados”, declarou na ocasião.
Uso de drogas
Moro se diz contra a liberação da maconha, mas, em entrevista ao apresentador Ratinho, do SBT, em julho de 2019, afirmou ser a favor do seu uso medicinal. Também já se declarou aberto a novas abordagens sobre o tema.
Em abril de 2017, quando ainda era juiz, afirmou, durante participação em conferência nos EUA: “Eu entendo que não existe uma solução muito fácil para esse modelo. Talvez seja o caso de algum experimentalismo, mas eu tenho muitas dúvidas sobre o que precisa ser feito”.
Visão de mundo
Desde que saiu do governo Bolsonaro, o ex-juiz tem buscado passar uma imagem de moderação. Em uma live da corretora Necton, em agosto de 2020, ele se descreveu como um conservador tolerante.
“Eu sou uma pessoa conservadora. Não sou dado a grandes comportamentos diferenciados. Sou uma pessoa de família. Agora, eu acho que, no âmbito dos costumes, também tolerância é importante. O espírito da democracia é o espírito da tolerância”, declarou.
Em maio de 2020, após apoiadores de Bolsonaro agredirem jornalistas durante uma manifestação em Brasília, o ex-ministro afirmou em uma rede social: “Democracia, liberdades –inclusive de expressão e de imprensa–, Estado de Direito, integridade e tolerância caminham juntos e não separados”.
Moro também procurou se diferenciar do ex-chefe ao reforçar seu compromisso com a democracia. “Não há espaço para ameaçar o país invocando falso apoio das Forças Armadas para aventuras”, escreveu, em artigo para o jornal O Globo, em julho de 2020. “Populismo de direita e populismo de esquerda são danosos”, completou.
Segurança pública
Moro defende maior encarceramento, endurecimento das leis penais e maior poder para a atuação policial.
O pacote anticrime que ele enviou para o Congresso quando ministro da Justiça e Segurança Pública dificultava a progressão de pena, aumentava as definições de crime hediondo e, ponto mais polêmico, ampliava o chamado “excludente de ilicitude”, que isenta de punição policiais envolvidos em morte ou agressão de pessoas durante ações.
Vista como uma espécie de “licença para matar” inocentes na periferia, a medida acabou sendo derrubada pelo Congresso após pressão de políticos, entidades e ativistas.
Moro afirmou, em entrevista ao canal de YouTube do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em fevereiro de 2020, que sempre foi um defensor da “redução da impunidade” e que ela deve ser uma meta em “todo tipo de criminalidade”, seja a de colarinho branco, que envolve corrupção, ou a violenta, ligada a homicídios e tráfico.
Maioridade penal
Moro se diz a favor de reduzir para 16 anos para crimes “gravíssimos”. Ao confirmar sua ida para um cargo no governo Bolsonaro, em 2018, ele defendeu proposta que tramita no Congresso Nacional “que prevê redução da maioridade para 16 anos em casos de crimes graves, com resultado morte ou lesão corporal grave ou casos de estupro”.
“A pessoa menor de 18 anos deve ser protegida, que às vezes ele não tem uma compreensão completa das consequências dos seus atos, mas um adolescente acima de 16 já tem condições de percepção de que, por exemplo, não pode matar. Então um tratamento diferenciado para este tipo de crime me parece razoável”, afirmou.
Em entrevista ao canal de YouTube do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em fevereiro de 2020, ele declarou: “Eu, a princípio, sou simpático à redução da maioridade para 16 [anos] para crimes gravíssimos”.
Acesso a armas
Quando esteve no governo, Moro teve posição dúbia, dizendo que sua pasta não tinha relação com os decretos pró-armas, mas sem criticá-los.
“Não tem a ver com a segurança pública. Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições”, afirmou, em maio de 2019.
Em julho de 2020, depois de ter saído do governo, Moro fez uma autocrítica sobre sua postura na época da edição dos decretos e, em entrevista à Globonews, afirmou: “Talvez eu pudesse ter me insurgido mais”.
“Como ministro, ainda que você tenha reservas de determinados temas, você não pode se opor publicamente a tudo, e meu foco era principalmente avançar na política anticorrupção e, nesses últimos meses, preservar a autonomia da PF [Polícia Federal]”, justificou.
Na mesma entrevista, ao comentar as medidas que visam a facilitar o acesso da população a armas, o ex-ministro afirmou que “concorda até determinado nível” com a proposta, mas que a política pode virar um problema de segurança pública.
“Acho que flexibilizar a posse de arma em casa mais é algo aceitável, mas acima de determinado ponto você começa a gerar uma política perigosa. Esses armamentos podem ser desviados para o crime e você não tem rastreamento adequado.”
Economia e papel do Estado
Moro é favorável a reformas liberais, como a administrativa e a tributária, e à abertura da economia. Quando ministro, defendeu presença privada na gestão do sistema prisional.
Ele não costumava tratar muito do tema, uma vez que sua pauta sempre foi a do combate à corrupção e ao crime organizado. Nas vezes em que falou sobre economia, deixou claro seu viés liberal.
“O que nós vemos em geral é que os países que mais prosperaram foram aqueles que praticaram o livre mercado”, disse ele, em uma live da corretora Necton, em agosto de 2020.
No evento, ele defendeu reformas econômicas e a abertura da economia. Disse ainda que o modelo desenvolvimentista, que foi importante para o crescimento econômico com forte papel do Estado, está superado.
Saídas para a crise econômica
Nas últimas semanas, com a possibilidade de candidatura já no radar, o ex-ministro criticou a condução da atual crise pelo governo Bolsonaro, atacando o drible no teto de gastos e o descontrole da inflação.
“Aumentar o Auxílio Brasil e o Bolsa Família é ótimo. Furar o teto de gastos, aumentar os juros e a inflação, dar calote em professores, tudo isso é péssimo. É preciso ter responsabilidade fiscal”, escreveu o ex-juiz em uma rede social, na última quarta-feira (3), em defesa do teto de gastos e da responsabilidade fiscal.
A postagem foi ilustrada com imagens de preços estampados em postos de combustíveis.
Em coluna na revista Crusoé publicada nesta sexta-feira (5), ele voltou a falar no rompimento do teto de gastos e afirmou que “o país, sobretudo os mais pobres, pagarão um preço caro pelo populismo do governo federal”.
“Sepultada a Lava Jato pelo atual governo, a próxima vítima parece ser o Plano Real. Estamos brincando na beira do abismo da deterioração institucional e econômica”, escreveu.
Imigração
Ao confirmar sua ida para um cargo no governo Bolsonaro, em 2018, Moro defendeu que a fronteira brasileira com a Venezuela e países vizinhos não fosse fechada e que “princípios de solidariedade” fossem observados.
No ano seguinte, contudo, uma portaria do ministro que estabeleceu um rito sumário de deportação para estrangeiros considerados “perigosos” ou que tenham praticado ato “contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal” foi duramente criticada.
Organizações de defesa de direitos humanos e de imigrantes reagiram dizendo que a nova norma ia contra o espírito da vigente lei de migração e ignorava princípios “pautados no respeito aos direitos humanos, não na criminalização da imigração, e na garantia de respeito ao contraditório e à ampla defesa nos procedimentos de retirada compulsória”.
Moro defendeu a portaria na época e classificou a legislação brasileira sobre o tema como “extremamente generosa” com a entrada de imigrantes. Disse que as regras brasileiras eram falhas em relação à autorização para o ingresso de estrangeiros envolvidos em condutas criminosas.
“Qualquer país tem que ter o direito de controle de suas fronteiras. E nenhum país do mundo, tendo conhecimento de que estão vindo pessoas suspeitas de envolvimento em condutas criminais graves, como terrorismo, crime organizado armado, tráfico de drogas, de pessoas ou de armas, ou exploração sexual de crianças e adolescentes, nenhum país do mundo permite”, argumentou o então ministro.
Ditadura e democracia
Moro disse em 2017 que a ditadura militar no Brasil (1964-1985) foi “um grande erro” e defendeu o “aprofundamento da democracia”, ao receber uma homenagem nos Estados Unidos.
“Os cidadãos brasileiros recuperaram em 1985 todos os seus direitos e liberdades democráticas, depois de 20 anos de ditadura militar. As Forças Armadas tiveram um importante papel na história do Brasil […]. Mas este período da ditadura militar foi, e não há dúvida disso, um grande erro.”
Posteriormente, contudo, o ex-juiz fugiu do tema quando foi questionado em algumas oportunidades.
Em 2018, após aceitar o convite para integrar o governo de Bolsonaro –um declarado saudosista do regime militar–, Moro disse: “Meus olhos estão voltados para 2019. Não vejo essa discussão como salutar nesse momento. […] Eu não estou assumindo o Ministério da Justiça e Segurança Pública para discutir fatos das décadas de 60 e 70.”
Na mesma ocasião, ele caracterizou o então presidente eleito como uma figura ponderada e sensata, que não ameaça o Estado de direito nem as minorias. “É uma pessoa moderada. […] Eu não vejo, em nenhum momento, risco à democracia e ao Estado de direito.”
Indagado sobre as declarações destemperadas, preconceituosas e agressivas de Bolsonaro, ele afirmou, na época, que tais afirmações estavam no passado e muitas vezes eram “colocadas fora de contexto”. Ressaltou ainda que o ex-deputado havia modulado o discurso ao longo da campanha –o comportamento, no entanto, se manteve após a chegada dele à Presidência.
Em 2019, ao ser questionado pelo jornal The New York Times se os termos golpe e ditadura seriam corretos historicamente, Moro se esquivou: “O que realmente interessa é que nós recuperamos nossa democracia”.
Neste ano, em meio às convocações para atos de raiz golpista insufladas por Bolsonaro no 7 de Setembro, Moro escreveu em uma rede social: “7 de setembro é uma data para comemorar a Pátria. Também deve ser um momento de reflexão. Todos temos o direito de protestar, mas a defesa da liberdade deve reforçar a verdade e a democracia, não diminuí-las. O povo brasileiro quer paz e segurança, sem falsos conflitos”.
Reeleição
O ex-ministro defendeu, em sua coluna na revista Crusoé, em novembro de 2020, o fim da reeleição para cargos do Executivo. No Twitter, ao compartilhar o texto, ele afirmou que a prática “não funcionou bem” no Brasil, além de ser instrumento que “potencializa o surgimento de caudilhos, lideranças populistas ou candidatos a ditadores”.
Para ele, a extinção da reeleição deve ser tratada “como uma das medidas necessárias para proteger a democracia”. Na ocasião, Moro lembrou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) admitiu ter sido um erro a aprovação da emenda que permitiu a recondução.
“A ambição de ser reeleito pode turvar a capacidade do dirigente de tomar as medidas necessárias para o benefício do país e que contrariem interesses especiais ou aspirações momentâneas”, afirmou Moro em seu artigo.
FONTE: PARAIBA ONLINE